Vivemos em uma cultura que valoriza a razão, o pensamento, a ordem, em detrimento da emoção, da intuição e tem dificuldades em lidar com a natureza caótica das coisas. Quando nos envolvemos com uma atividade, como a fotografia, tentamos organizá-la, mentalmente, utilizando os recursos racionais que empregamos diariamente para lidar com o mundo. Isso nos leva a priorizar a forma, os números, as regras e o método.
Consequentemente, nos vemos apegados aos aspectos técnicos das imagens, às especificações das câmeras, aos números, ou seja, a tudo que possa ser organizado e quantificado. Queremos saber quantos megapixels tem o sensor, quão nítida é uma lente, quantas fotos são feitas numa viagem ou num evento, quanto tempo dura uma bateria.
Jusni Nasirun
Mesmo a análise de uma imagem em si é geralmente racional. Tendemos a aplicar categorias técnicas como cor x preto e branco; nítido x borrado; sobre-exposição x subexposição. Quando as formas contidas na foto são harmônicas e facilitam a nossa organização mental necessária para ler o espaço, dizemos que há uma boa composição. Se há muitos pontilhados, dizemos que há muito ruído. A foto em si não está de fato sendo vista; não se olha para o seu conteúdo, apenas para a sua forma. Ou seja, costuma-se ler a foto em termos racionais e, num círculo que se retroalimenta, o fotógrafo, quanto mais envolvido com a fotografia, tende também a produzir imagens que funcionem melhor nessa perspectiva racional.
O que se percebe nesse cenário, no entanto, é que praticamente não há nenhum espaço para o aspecto não racional da fotografia. Não há lugar para o desenvolvimento de temas relevantes. O fotógrafo pouco se pergunta sobre o que fotografar. Sobre o que será seu discurso? O que, daquilo que ele vivencia, é relevante o suficiente para que ele busque construir sobre isso uma obra fotográfica? Qual o papel da fotografia na sua vida? Como se sente ao fotografar? Quais emoções ele provoca em quem vê suas fotos?
No geral, ele apenas fotografa em busca da fotografia perfeita em termos racionais e faz o que ele acha que deve ser feito: fotografa em viagens, em locais exóticos, usa estereótipos (o mendigo, a mulher bonita, o velho, a criança) sem de fato se relacionar com o que retrata. E, até por conta disso, tem dificuldades em abaixar a câmera e viver o momento. Fotografa, mas mal sabe o que, quando e porquê.